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RIO – Dono da maior concentração de água doce do mundo, o Brasil vai ter resultados positivos para apresentar neste Quarto Fórum Mundial de Água, que será realizado entre 16 e 22 de março, no México. O país avançou desde a última edição do evento, em 2003, no Japão, especialmente no que diz respeito à gestão dos recursos hídricos.

No entanto, as conquistas recentes podem ser ofuscadas pelo gigantismo de nossos problemas. Ainda é longo e barrento o trajeto no sentido de evitar o desperdício, aumentar o acesso à água limpa e reduzir a poluição dela.

Especialistas no Brasil dizem ser um erro acreditar que a questão da água representa um problema apenas de outros países. Apesar de ter 12% das reservas mundiais de água doce, a maior parte dos recursos está no Norte, região com a menor concentração populacional do país. No Nordeste, há escassez e pobreza. No Centro-Oeste, há um enorme desperdício com a agricultura (a irrigação consome 69% da água gasta no país e mais da metade disso é simplesmente perdida com práticas ineficientes). Por fim, no Sul e no Sudeste a poluição é tamanha que em alguns dias as companhias simplesmente desistem de tratar água tão suja e a jogam fora.

– É preciso ir cada vez mais longe para buscar água limpa e isso custa muito caro, assim como recuperar a qualidade dela – diz o diretor da Agência Nacional da Águas (ANA), Benedito Braga. – O maior vilão da poluição hoje não é a indústria, são os municípios, que não tratam os esgotos – acrescenta.

Segundo o IBGE, 80% dos esgotos são lançados direto nas águas sem nenhum tipo de tratamento. Para se ter uma idéia da gravidade da questão, ao longo de apenas quatro anos a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) teve que elevar em 40% o volume de produtos químicos usados no tratamento da água, contra uma alta de 8% na produção.

Como se não bastassem os problemas, o Brasil viveu um grande retrocesso desde o último fórum ao aumentar o número de terméletricas, em vez de investir nas hidrelétricas, que geram energia. Uma das maiores vantagens de dispor de tanta água é poder usá-la para gerar energia mais barata e limpa, dizem os especialistas.

Ex-presidente da ANA e atual diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman lamenta que metade da energia contratada no último leilão do setor, no ano passado, será gerada por termelétricas, enquanto que a participação delas geralmente se limitava a 20% da produção.

– A cada ano elas lançarão quatro milhões de toneladas de CO² na atmosfera. A energia também ficou mais cara em R$ 2 bilhões e os consumidores é que vão pagar por isso – diz ele, uma das maiores autoridades do mundo no assunto.

Só recentemente o problema da água começou a receber a devida atenção no Brasil.

Faz seis anos que o governo instalou uma agência para se dedicar exclusivamente à questão. De lá para cá, o país passou a ostentar um programa que é usado como referência pelo Banco Mundial, o ProÁgua, voltada para a ampliação da oferta deágua no semi-árido brasileiro.

Outro grande avanço está na gestão dos recursos hídricos de forma integrada, o que prentende terminar com o senso comum de que a água pode ser usada de graça, na quantidade e na forma que se quiser, e depois devolvida poluída sem nenhum controle.

O entendimento de que a utilização dos rios deve respeitar as necessidades das bacias às quais pertencem ganhou o respaldado de órgãos administrativos dos governos estaduais e federal, que em alguns casos passaram a cuidar juntos da gestão da água.

Para fazer esse trabalho, foram criados os comitês de bacia. São cerca de cem nas mãos dos estados e cinco sob administração da ANA, sendo que em dois deles há um ponto novo fundamental: a cobrança pelo uso da água bruta. Empresas como a Sabesp, que usavam a água de graça, agora pagam R$ 0,02 por metro cúbico, o que, no caso dela, significará uma conta de cerca de R$ 6 milhões ao ano.

Outra conquista diz respeito ao Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas (Prodes), cujo grande mérito é estimular a despoluição por meio do pagamento pelo esgoto tratado, e não do financiamento de obras e projetos que terão, depois de prontos, poucos estímulos para serem eficientes. Foram investidos R$ 259 milhões e cinco milhões de pessoas foram beneficiadas pelos resultados do Prodes, mas o projeto foi suspenso por falta de financiamento e não está sendo mais usado pelo Ministério das Cidades.

– O Brasil avançou pouco nos últimos anos em termos de suprimento de água e saneamento. Não temos marco regulatório para o setor. O Congresso nunca aprovou nenhuma proposta – lamentou Kelman.

Esses avanços e retrocessos vividos pelo país nos últimos anos devem ser tema de discussão neste Fórum Mundial da Água. O evento juntará especialistas e tomadores de decisão de várias partes do mundo, para discutir assuntos técnicos e tentar viabilizar a multiplicação dos bons exemplos e permitir a redução do mau uso, da poluição e do desperdício da água. Por Sabrina Valle – Globo Online

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